A procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, afirmou nesta terça-feira (3), em sessão do Conselho
Superior do Ministério Público (CSMP), que o princípio da presunção de
inocência é garantia importante em todos os países, mas que a execução de uma
pena após quatro instâncias é exagero que "aniquila o sistema de
justiça" porque "uma Justiça que tarda é uma Justiça que falha".
"O princípio de presunção
da inocência é uma garantia individual importante em todos os países, é
importante também no sistema brasileiro. No entanto, apenas no Brasil o
Judiciário vinha entendendo que só se pode executar uma sentença após quatro
instâncias judiciais confirmarem uma condenação. Este exagero aniquila o
sistema de Justiça exatamente porque uma Justiça que tarda é uma Justiça que
falha", afirmou a procuradora.
A procuradora se referia ao
julgamento previsto para esta quarta-feira (4) no Supremo Tribunal Federal
(STF). A Corte vai julgar habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, condenado
pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no caso do
triplex em Guarujá, a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado. A defesa de
Lula argumenta que, segundo a Constituição, o reú só pode ser
preso após transitado em julgado, quando não cabe mais nenhum recurso.
"Amanhã o STF deve
concluir um dos seus mais notórios, expressivos e importantes julgamentos. O
que estará em debate naquela Corte superior a questão da observância do
princípio da presunção de inocência no Brasil, a validade do duplo grau de
jurisdição e a extensão em que uma decisão sujeita-se a execução provisória da
pena", disse Raquel Dodge na abertura da reunião do CSMP.
O recurso tenta impedir que
Lula seja preso antes de julgados todos os recursos possíveis na Justiça. O
TRF-4 determinou o cumprimento imediato da pena de prisão, baseado no atual
posicionamento do STF.
O julgamento do habeas corpus
de Lula valerá apenas para o caso específico do ex-presidente, mas pode indicar
uma mudança no posicionamento
firmado pela Corte em 2016 quando o STF reconheceu a
possibilidade de execução imediata da pena após condenação em segunda
instância.
"Este é, provavelmente,
um dos julgamentos mais importantes da história do Supremo Tribunal Federal
exatamente porque ele vem na esteira de uma modificação da Constituição
brasileira e do novo código de processo civil na expectativa de garantir
resolutividade ao sistema criminal do Brasil", completou Dodge.
A procuradora-geral da
República também criticou o sistema recursal brasileiro que, segundo ela, só
antende os "mais afortunados" que podem "pagar advogados
caríssimos" para evitar o julgamento final e o cumprimento da pena.
"A Constituição
brasileira também garante, não só a presunção de inocência e o duplo grau de
jurisdição, mas também segurança jurídica e efetividade. Se não forem
observados no sistema adequadamente o processo criminal não termina, ou só termina
quando está prescrito, e é um sistema de amplos e sucessivas instâncias
revisoras que só atendem os mais afortunados, que podem pagar advogados
caríssimos para manter o sistema recursal aberto e evitando o trânsito em
julgado da condenação", disse a procuradora.
Há duas semanas, quando STF
iniciou o julgamento do habeas corpus de Lula, Raquel Dodge voltou a se
manifestar pela rejeição do
pedido.
Habeas Corpus preventivo
Nesta segunda-feira (4), a
presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, se reuniu com o
diretor-geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, a fim de discutir a segurança no
dia do julgamento do habeas corpus preventivo de Lula.
Horas depois, a ministra divulgou um
pronunciamento no qual ela pede "serenidade" para que
diferenças ideológicas não resultem em "desordem social". A
presidente do STF também defendeu o "fortalecimento da democracia" e
afirmou que "há que se respeitar opiniões diferentes".
Nesta segunda-feira (3), juízes,
promotores e advogados foram ao Supremo Tribunal Federal para defender suas
posições com relação ao cumprimento da pena logo após condenação em segunda
instância.
Juízes e promotores entregaram
ao tribunal um abaixo-assinado com mais de 5 mil assinaturas contendo
argumentos a favor da manutenção da possibilidade
de prisão de condenados após decisão da segunda instância.
Um grupo de advogados também
entregou à Corte um abaixo-assinado com cerca de 3,6 mil assinaturas pedindo
que os ministros julguem duas ações pendentes e só permita
prisões de condenados após o julgamento de todos os recursos possíveis em
todas as instâncias da Justiça.
Ainda estão pendentes de
julgamento definitivo pelo plenário duas ações genéricas sobre o tema. A
ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, já afirmou que não pretende
pautar essas ações. Segundo ela, faz apenas dois anos que o Supremo
analisou a questão.
Lava Jato
Em palestra na manhã desta
terça-feira (3) numa universidade em Brasília, ex-procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, alertou para os possíveis
efeitos que uma eventual revisão do atual entendimento do STF pode
ter para as investigações e processos criminais. Ele se referiu expressamente
ao julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula.
Janot citou mudanças na lei e
na jurisprudência que permitiram, na visão dele, o sucesso da operação Lava
Jato. O ex-procurador destacou ainda a decisão de 2016 do próprio STF que
permitiu a execução da pena após condenação num tribunal de segunda instância.
“É o pano de fundo do
julgamento de amanhã [quarta-feira]. Nós temos que abstrair de pessoas, olhar
as teses e os efeitos disso no sistema penal”, disse Janot, que, em 2016,
defendeu no STF a tese da prisão após segunda instância.
Do G1, Brasília
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