El País - O calvário do Partido dos Trabalhadores e do ex-presidente Lula ganhou novos capítulos numa sequência
impensável a quem acreditava que o ponto alto da semana política que passou
ficaria no embate entre o petista e o juiz Sergio Moro em Curitiba. O encontro mais esperado da Lava Jato parece agora apenas um aperitivo para
um cardápio farto que se seguiu na sequência, e que fragiliza ainda mais o
ex-presidente e o seu partido, tanto do ponto de vista político quanto
jurídico. Apenas um dia depois do seu depoimento, o ministro do Supremo, Edson Fachin, liberou o
sigilo das delações do casal de marqueteiros Mônica Moura e João Santana,
que revelam o milionário esquema de caixa 2 pago no Brasil e no exterior,
supostamente com aval de Lula e Dilma Rousseff.
Na sexta,
uma nova bomba nuclear para o ex-presidente e o PT veio na
forma da nota divulgada pelo então advogado do ex-ministro Antonio Palocci. “O
Escritório José Roberto Batochio Advogados Associados deixa hoje o patrocínio
da defesa de Antonio Palocci em dois processos que contra este são promovidos
perante o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, em razão de o ex-ministro
haver iniciado tratativas para celebração do pacto de delação premiada com a Força Tarefa Lava-jato, espécie de estratégia de
defesa que os advogados da referida banca não aceitam em nenhuma das causas sob
seus cuidados profissionais”.
O que eram
informações de bastidores começam a se tornar realidade. O ex-todo poderoso
ministro petista, que pavimentou a relação de Lula com o então apavorado mercado
financeiro nacional e internacional em seu primeiro mandato (2003-2006),
sucumbiu à pressão da Lava Jato e mostrou que seu silêncio tem limite. Preso
preventivamente há oito meses, Palocci fechará acordo com a Justiça para
negociar uma redução de pena, e pode jogar um caminhão-tanque de gasolina nas
labaredas que já incendeiam o Brasil com as investigações sobre corrupção no
poder público e privado. Palocci sabe que suas palavras valem ouro para a
Justiça e têm poder para estender ainda mais a operação Lava Jato, saindo
inclusive do ramo das empreiteiras para se espalhar a outros setores. “Acredito
que posso dar um caminho que talvez vai lhe dar pelo menos mais um ano de
trabalho, mas é um trabalho que faz bem ao Brasil”, disse Palocci a Moro em seu
depoimento no dia 20 de abril, após afirmar que tinha condição de relatar
“fatos com nomes, endereços, operações realizadas e coisas que serão certamente
de interesse da Lava Jato.” Não os abria ali, explicou, pela “sensibilidade das
informações” de que dispõe.
Agora, o
país volta a prender a respiração na expectativa de conhecer novos fatos e
detalhes sobre o modus operandi das relações de poder, num exercício que já
virou rotina. A escala crescente de informações não para de surpreender ao
mesmo tempo que vai fechando o cerco ao PT e deixando poucas brechas para Lula. As delações
de Mônica Moura e João Santana, que gozavam da intimidade palaciana desde 2005,
já trazem informações chocantes o suficiente para questionar o futuro do PT e
da sonhada candidatura do ex-presidente para as eleições de 2018. De
negociações de João Santana na sauna do ex-senador Delcídio do Amaral para
tratar de pagamento de caixa 2 de campanha, a um suposto email falso criado na
biblioteca do Palácio da Alvorada com aval da ex-presidenta Dilma para prevenir
Mônica Moura sobre o andamento da Lava Jato. De onze milhões de dólares
supostamente recebidos das mãos do hoje presidente venezuelano, Nicolas Maduro,
a pagamentos secretos da Odebrecht numa conta na Suíça.
Quando foram presos em fevereiro de 2016,
Santana e Moura chamaram a atenção pela tranquilidade com que seguiram o ritual
da prisão. Mônica até sorria enquanto mascava chicletes com as mãos presas por
algemas atrás do corpo.
Hoje,
aparecem nos vídeos relatando também com naturalidade os detalhes de como
funcionou o esquema patrocinado pela Odebrecht, responsável pelo pagamento das
campanhas vitoriosas de Lula, Dilma e seus aliados na América Latina, como o
falecido presidente venezuelano Hugo Chávez. Um esquema que incluiu a
participação de boa parte da cúpula petista, para garantir a estratégia,
segundo os delatores. José Dirceu e Antônio Palocci tinham papeis de destaque.
Dirceu, por exemplo, teria articulado a participação dos marqueteiros na
campanha à reeleição de Hugo Chávez, em 2012. “A primeira viagem que João fez
para negociar a campanha foi num jatinho da Andrade Gutierrez”, relata Moura,
em seu depoimento às procuradoras da Lava Jato. Dirceu estava junto nessa
viagem. A Andrade pagou dois milhões de dólares do custo de campanha. A
Odebrecht, 7 milhões.
O casal relatou também como a negociação de
caixa 2 teria sido feita em outra campanha, para a eleição do senador Delcídio
do Amaral, então pelo PT, em 2002. Santana revelou que visitou Amaral em sua
casa e foi convidado a tomar uma sauna com ele. “Entramos os dois para fazer
sauna. E foi aí que ele, quando entrou na sauna, e estávamos só nos dois, e
estávamos claramente protegidos, e sem roupa – porque podia ser que eu tivesse
alguma coisa para estar gravando – ele começou a conversar: ‘Esse pagamento é oficial,
não tem que ser oficial, quanto custa’”, relatou. A campanha teria custado 4
milhões de reais, dos quais metade paga em caixa 2, segundo os delatores.
As
revelações do casal vieram um dia após o midiático depoimento do ex-presidente
Lula ao juiz Sérgio Moro, na ação que questiona a compra do apartamento no
Guarujá, supostamente vinculado a favores prestados à empreiteira OAS. Após
cinco horas de prestação de contas à Justiça num interrogatório a portas
fechadas que seria divulgado em vídeo horas depois, Lula parecia sair aliviado
de um purgatório, onde conseguiu se defender e relatar suas mágoas ao juiz
Moro, e lembrar seu papel de ex-presidente que merecia ser tratado com
respeito. Teve bem mais que 15 minutos de glória para soltar suas frases de efeito
e dizer ao juiz Moro que a história vai julgá-lo em seu papel por abusos como o
de ter liberado grampos pessoais dele e de sua família. Seu regozijo, porém,
durou menos que 24 horas, e o ex-presidente parece ter entrado no inferno que
coloca em dúvida seu plano de sair ileso da Justiça e competir pela vaga ao
Palácio do Planalto.
Santana
vem confirmar informações já reveladas por Marcelo Odebrecht dos pagamentos feitos no Brasil e num intrincado
sistema de patrocínio internacional, que incluía as
campanhas em países onde a empreiteira já atuava. Se Antônio Palocci, implicado
tanto por Odebrecht como os marqueteiros, relatar seu papel como avalista, o
cerco a Lula deve se fechar e a estratégia de defesa do ex-presidente, de negar
sua participação ou conhecimento em torno do propinoduto descoberto
inicialmente na Petrobras, fica cada dia mais difícil.
Tudo ainda
passará pelo crivo da Justiça – que tem Sergio Moro em primeiro plano, cuja atuação
vem sendo questionada por já aparentar uma condenação prévia, endossando
praticamente tudo o que apontam os procuradores – e demandará provas do que
dizem os delatores, para que confirmem ou atenuem o veredito. Mas, o desgaste à
imagem do ex-presidente, em capas de revistas questionando sua inocência, e na
pauta negativa contra ele no noticiário, ganhou novos elementos. O
ex-presidente vive a cruel letargia de quem tem de provar inocência. A versão
de quem o responsabiliza de ter ciência do esquema internacional de caixa 2
circula muito mais rápido que a sua defesa. Se esse quadro só faz crescer o
linchamento público entre quem nunca gostou dele, ou se tira apoio entre os que
já votaram nele, só o tempo dirá. Por ora, o calvário de Lula continua.
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